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CONFLITO NO MALI

  • Foto do escritor: Rafaella Santana
    Rafaella Santana
  • 24 de ago. de 2020
  • 11 min de leitura

Atualizado: 10 de fev.



Esse texto foi publicado em dia 25/08/2013 no site do Kilombagem (http://kilombagem.org/conflito-no-mali/)


Introdução


Este breve artigo tem como objetivo relatar o conflito e explicar por qual motivo decorre a atual guerra no Mali. A pesquisa menciona os principais protagonistas no conflito do país e no cenário internacional. O artigo buscará explicar as razões que levaram a França intervir no conflito. Como este conflito é um acontecimento recente e ainda está em andamento, o texto usou como fonte as principais notícias divulgadas pelos meios de comunicação virtual e artigos já publicados sobre o conflito. Os próximos dois parágrafos abordarão uma pequena apresentação do país.


O Mali é um país africano sem saída para o mar na África Ocidental, o nome oficial é República do Mali, e sua capital é Bamako. É o sétimo maior país do continente africano, e faz fronteira com sete países, no norte pela Argélia, a leste pelo Níger, a oeste Mauritânia e Senegal e ao Sul pela Costa do Marfim, Guiné e Burquina Fasso. Com uma população em torno de 16 milhões de habitantes, a língua oficial é o francês, mas há diversas línguas utilizadas por vários grupos étnicos, cerca de 80% da população pode se comunicar em Bambara, que é a principal língua vincular no Mali. A população é predominante rural, e entre 5% a 10% são nômades. Mais de 90% da população vive no sul, especialmente no Bamako, que tem mais de um milhão de habitantes.


Entre os recursos naturais do país estão: o ouro, o urânio, o fosfato, o sal e o calcário, e como veremos mais abaixo, a disputa internacional pelo acesso destes bens ajuda a entender a maioria dos conflitos nesta região. Os principais parceiros econômicos no Mali são a Costa do Marfim, a França, a República Popular da China e a Bélgica. Aproximadamente 90% da população são muçulmanos, e 5% são cristãos, os demais correspondem à religiões tradicionais. As mulheres participam da vida política e geralmente não usam véus. De acordo com a Constituição, o Estado é laico e fornece a liberdade religiosa.  O IDH (Índice de desenvolvimento humano) do país é muito baixo (0,344), quase a metade da população vive abaixo da linha da pobreza.

Antecedência do conflito     

       

A colonização francesa na região do Mali iniciou em 1880, tornando-se oficial em 1890. A região foi recortada administrativamente por diversas vezes, passando a receber nomes como: Sudão Frances, Alto Senegal e Níger, até 1945. As fronteiras geográficas impostas pela Europa desconsiderava as organizações políticas-territoriais preexistentes à colonização, dividindo alguns povos e aglutinando arbitrariamente nações distinta sob o mesmo Estado. Após a Segunda Guerra Mundial, iniciou o processo de descolonização do continente africano. Em 1960, a região se tornou oficialmente independente, e o território passou a ser chamado de Federação do Mali. Nesta região, faziam parte Senegal, Dahomey (atual Benin) e Alto Volta (atual Burkina Faso), mas desconfianças militares os separam, e o Mali passou a adotar o nome, bandeira e o território atual.


Após a independência, o país teve oito anos de governo socialista, com partido único e laços fortes com a União Soviética, sob o comando de Modibo Keita. As tentativas de reforma agrária do governo socialista geraram revoltas nas tribos tuaregues no Norte. Esta política era vista pelos tuaregues como uma nova forma de colonização. Esta tribo não aceitava ceder suas terras, porque alegavam não terem sido convidados a fazer parte deste governo. O sonho dos tuaregues de alcançar a independência tão esperada, o desejo de constituir um estado autônomo, chamado de Azawad, e com a marginalização e discriminação que eles viviam, propiciou em 1962, a primeira rebelião. Após sangrentas repressões, em 1964 os tuaregues acabaram derrotados.


Após um golpe militar liderado por Moussa Traoré em 1968, o governo de Modibo Keita foi derrubado. Após o golpe, este período foi marcado por instabilidade política, opressão, várias tentativas de golpe de Estado, revoltas estudantis em todo país e crescente insatisfação na região norte. Na década de 70 e 80 foram marcados por uma forte seca, que atingiu as regiões tuaregues, resultando no aumento da marginalização dessa população. Neste período, o fluxo de tuaregues migrando para países vizinhos e para área urbanas em busca de trabalho aumentou consideravelmente.


Em junho de 1990 em virtude de descontentamento com o governo, ocorreu a segunda rebelião. Os tuaregues alegaram que os recursos que o Mali havia ganhado através da ajuda humanitária internacional, em virtude do problema ambiental, não chegaram ao norte. Eles questionavam que a utilização do recurso foi usada em construções privadas na capital Bamako. Está rebelião contou com ajuda de tuaregues no norte do Mali, na Argélia e na Líbia. Após vários meses de confronto, o governo assinou um acordo de paz, mediado pela Argélia.  Em virtude desse conflito, ocorreu mais um golpe de estado, seguindo de um governo de transição e a realização de uma nova constituição.


Em 1992, Alpha Oumar Konaré venceu a eleição presidencial democrática. Na última década do século XX, o Mali passou por um processo de abertura política. Após sua reeleição em 1997, o presidente Konaré estimulou reformas políticas e econômicas, e buscou combater a corrupção. Em 2002, foi substituído pelo general Amadou Toumani Touré, que liderou outro golpe de estado contra os militares e impôs a democracia. Entre 2006 a 2008, foi marcado por novos levantes, caracterizando a terceira rebelião. Com a rebelião, foi interrompida a produção de ouro nas montanhas do Níger, e o conflito acabou após um tratado de paz, mediado novamente pela Argélia.


O conflito no Mali desde a segunda rebelião contou com atores externos. Após a primeira rebelião, muitos tuaregues migraram para países vizinhos, principalmente para Líbia, em busca de trabalho na indústria do petróleo, e partir da década de 70, buscando fazer parte das forças militares de Muammar Kadafi. O líder da Líbia recrutou muitos tuaregues nas forças armadas, e muitos deles voltaram ao Mali treinados e experientes no final da década de 80, e se engajaram na segunda rebelião.  O governo da Líbia chegou a ser acusado de ajudar os tuaregues durante o levante, fornecendo informações, treinamentos e armas. A quarta rebelião que ainda está em andamento,


Conflito atual


Em Dezembro de 2011, foi criado o Movimento Nacional pela libertação de Azawad (MNLA), e o objetivo principal do grupo seria a libertação da população tuaregues da ocupação do território pelo Mali. Em Janeiro de 2012, o MNLA começou a atacar à região do norte do país, dando início a quarta rebelião. O grupo acusava o governo de não cumprir com as promessas em relação à população tuaregue. Entre Janeiro a Abril de 2012, o MNLA atacou as bases militares no norte do Mali, nas principais regiões de Gao, Kidal e Timbuctu. No mês de Março, os insurgentes ganharam muito terreno, conquistando cidades sem enfrentar a oposição do governo.


Com uma grande crise política e instabilidade, o governo de Moussa Traoré sofre um golpe militar no dia 22 de Março, e é desposto pelo capitão Amadou Haya Sanogo. Um mês depois do golpe, o MNLA já havia tomado o controle da região norte do país, declarando a independência do Azawad. O golpe foi condenado pela União Africana, CEDEAO (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental) e pelo Conselho de Segurança da ONU. Após negociações com os países vizinhos, em 6 de Abril, foi acordado que o país seria governado por Diounconda Traoré interinamente. Neste período, o MNLA visando garantir a independência, aliou-se ao grupo islâmico Ansair Dine (Defensores da Fé), ao MUJÃO (Movimento pela Unidade e Jihad na África Ocidental) e ao QIM (sigla em inglês da Al Qaeda no Magreb islâmico).


O Ansar Dine (Defensores da Fé) surgiu no primeiro semestre de 2012 e sua principal liderança foi um membro do MNLA, o Iyad Ag Ghaly. Este grupo ganhou destaque internacional em Abril de 2012, quando tomou a cidade de Timbuktu e anunciou o Jihad contra os oponentes do Shariah. Basicamente o Jihad é um conceito da religião islâmica e significa “empenho”, “esforço”, é uma luta pessoal em busca da fé perfeita. Já o Shariah é a lei islâmica, um código de leis que rege a vida das pessoas dentro do Islam. O objetivo principal desse grupo, é aplicar o Shariah no Mali e expulsar a influência Ocidental sobre o país.


O MUJAO surgiu em Dezembro de 2011, e o seu principal objetivo é lançar a Jihad em toda à África Continental, este movimento não restringe apenas no Mali, este é um dos aspectos que o diferencia do Ansar Dine. O grupo conta com apoio internacional, e além do Mali, o movimento MUJAO possuem militantes na Argélia, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Mauritânia, Argélia, Níger, Senegal e Somália.


Intervenção francesa


Após insurgentes ameaçaram tomar a capital, em janeiro de 2013, o governo do Mali pediu ajuda à França, que concordou em intervir no conflito. França tratou de assegurar a legitimidade da intervenção no conflito através do Conselho de Segurança da ONU.  Buscou apoio político dos Estados Unidos, e de seus parceiros europeus. Após as ofensivas militar, os franceses desencadearam iniciativas diplomáticas para que os países africanos, principalmente os vinculados à Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (ECOWAS) comprometessem efetivamente enviando tropas, para Paris esta medida é considerada de grande importância, haja visto que maquia os verdadeiros interesses políticos e econômicos da ex-metropole no território africano.


A França conseguiu apoio logístico para intervenção de vários países europeus, foram disponibilizados aviões e outros tipos de suportes. O mais importante foi apoio político na intervenção, haja visto que a França não precisa de ajuda para intervir no Mali. Os franceses dispõem de bases militares equipadas para este tipo de operação, e possuem veteranos experientes na África, e estão acostumados a entrar em operação em países africanos, logo as tropas francesas não tiveram dificuldade na mobilização no território.


A França como ex-potência colonial, após o processo de descolonização continuou mantendo a maior parte das suas ex-colônias como zonas de influência. Os franceses mantiveram sua política ativa para maior parte das ex-colônias, mantendo industrias de exploração mineral e bases militares em diversos países e interferindo nos assuntos internos desses países. A exploração dos recursos naturais em algumas das antigas colônias permaneceram sendo atividades quase exclusivas de empresas francesas, tais como a mineração de urânio e outros recursos minerais estratégicos. As intervenções e permanência de base militar na África, são vistas como certa naturalidade para a sociedade francesa, mesmo sendo o único país europeu ainda se comportar dessa maneira. Sucessivos governos tanto da direita como da esquerda, mantiveram essa tradicional política no continente africano.


No dia 14 de Janeiro de 2013, tropas francesas realizaram bombardeiros na região de Tombuctu, está região tomada pelos rebeldes, possuem 26 bibliotecas com 700 mil manuscritos dos séculos 13 a 20 em línguas árabes e africanas. Os manuscritos são muito importantes para a reflexão sobre as tradições escritas na África. Os manuscritos versam sobre temas como matemática, química, física, ótica, astronomia, medicina, história, geografia, ciência islâmica, leis, e tratados, jurisprudência e entre outros. O conflito na região levou a UNESCO a fazer um apelo para que todas as forças militares no Mali façam esforços para proteger o patrimônio cultural. Uma carta assinada pelo diretor geral da entidade, Irina Bokova, foi enviada às autoridades francesas e malineses, invocando a Convenção de Haia, de 1954: "O patrimônio cultural do Mali é uma joia cuja proteção é importante para toda a humanidade. Ele carrega a identidade e os valores de um povo. A atual intervenção militar deve proteger as pessoas e assegurar este patrimônio”, defendeu.


No sexto dia da intervenção, as tropas francesas, em conjunto com o exército do Mali, iniciaram as operações e os combates terrestres. Os combatentes contam com tanques e equipamentos com características de combate de guerra. No início da intervenção, as tropas terrestres se concentraram em cidades controladas pelo governo e próximas aos postos dos rebeldes. A ofensiva obteve progresso significante em uma semana. Após dias de batalhas, em 18 de janeiro de 2013, foi confirmada a retomada das cidades Konna e Diabali pelo exército francês. Um dia antes, um grupo de 60 pessoas em Londres protestou contra a intervenção francesa no Mali, os manifestantes exigia a retirada das tropas, o grupo traziam cartazes com a frase “a sharia era a única solução para o Mali”.


Em janeiro de 2013, o conflito no Mali ganhou proporção internacional em decorrência de um sequestro ocorrido em uma refinaria de gás no Saara argelino. Após a ofensiva militar argelina contra o sequestro, mais de 30 pessoas foram mortas, no dia 19 de janeiro. O militante islâmico Mokhtar Belmokhtar, foi o responsável pelo atentado. Ele afirmou que o objetivo era exigir o fim da intervenção francesa no Mali. A França e Grã-Bretanha, defenderam a operação militar argelina. “Um país como a Argélia teve as respostas que, a meu modo de ver, são as mais adequadas porque não poderiam haver negociações”, disse o presidente socialista francês, François Hollande, sobre a operação que terminou em massacre.


Autoridades francesas confirmaram que centenas de militares islâmicos foram mortos no norte do país, durante uma operação para expulsar grupos denominados pela França e por muitos meios de comunicação como islamistas radicais e terroristas. A informação foi confirmada pelo ministro de Defesa Jean Yves Le Drian. Ele disse que os ataquem aéreos continuam. A França mantém cerca de 4 mil militares no Mali. O governo francês anunciou que reduzirá para 1.000 o número de militares francês no Mali, até o final do ano. A retirada das tropas começou em abril.


Crise humanitária


O conflito desencadeia uma crise humanitária no país, a ONU auxilia a população do Mali que procuram abrigo fora do seu país. Em alguns países vizinhos ao Mali, foram instalados campos provisórios para abrigar os refugiados. Segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, o conflito gerou mais de 150 mil refugiados e cerca de 200 mil deslocados internos em 2012. Os refugiados na sua grande maioria são tuaregues, e eles têm buscados abrigo em Burkina Faso, Níger, Mauritânia e Argélia, estes países possuem recursos escassos e têm sofrido problemas socioeconômicos.


Considerações finais:


A região vive na pele as consequências de fronteiras impostas em função de interesses imperialistas europeus, resultando em problemas que se arrastam até hoje. Diversas nações foram fracionadas e/ou aglutinadas arbitrariamente sob o mesmo território a partir de hierarquias artificialmente criadas e desigualdades de toda ordem entre os povos. As lutas por independência e descolonização do continente, dado às constantes sabotagens que foi submetida, não avançaram a ponto de superar estes problemas, tal como foi pensado por Lumumba, Nkrumah, Diop e Fanon. O resultado disso, em diversos países africanos é a permanência de instabilidades constantes.


Para piorar, o continente africano é muito rico em matéria prima útil à grande indústria americana e europeia, e uma vez que não poderia abrir mão destes recursos, é a própria Europa e os Estados unidos que fomentam e alimentam estes conflitos de forma a gerir indiretamente o acesso às matérias primas.


A intervenção francesa no conflito está longe de ser em prol da população local, e sim puro interesse econômico na região, logo a intervenção tem caráter defensivo e protecionista. O fato, é que todos eles estão inseridos em um contexto no qual o Estado não consegue atender minimamente as intensas demandas sociais de sua população, principalmente as parcelas que vivem mais afastadas da capital. O problema não só no Mali, mas em outros países africanos são resquício do Neocolonialismo, que deixam os países vulneráveis ao imperialismo e a cooptação dos governos, e acabam naufragando-os na pobreza generalizada e na falta de políticas públicas.


Texto publicado em 25/08/2013 pelo site do Kilombagem.

Referências:


NOVAES, João: História do Mali é marcada por conflitos separatistas desde o início do século XX. Da colonização francesa até a guerra na Líbia, conflitos do passado ajudam a explicar crise atual. Disponível em: <http://operamundi.uol.com.br/conteudo/reportagens/26660/historia+do+mali+e+marcada+por+conflitos+separatistas+desde+o+inicio+do+seculo+xx+.shtml> Acesso em 21 jul. 2013.


OLIVEIRA, Ana Paula Ferraz: Conflito no Mali coloca patrimônio da humanidade em risco. Tomada pelas forças rebeldes, região de Tombuctu abriga 26 bibliotecas e 700 mil manuscritos dos séculos 13 a 20 em línguas árabes e africanas. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/cultura/conflito-no-mali-coloca-patrimonio-da-humanidade-em-risco&gt; Acesso em 21 jul. 2013.


FILHO, Pio Netto: Jihadismo e Intervenção Francesa no Mali. Disponível em:< http://mundorama.net/2013/01/22/jihadismo-e-intervencao-francesa-no-mali-por-pio-penna-filho/> Acesso em 24 jul. 2013.



IBRAHIM, Habibah L: Sharia: Lei Islâmica (Introdução). Disponível em: <http://amulhereoislam.wordpress.com/2011/10/11/sharialei-islamica-introducao/>. Acesso em 27 jul. 2013.



Mali. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Mali&gt; Acesso em 27 jul. 2013.


Jihad. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Jihad> Acesso em 27 jul. 2013.


Revolta no norte do Mali (2012–presente). Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolta_no_norte_do_Mali_%282012%E2%80%93presente%29 Acesso em 27 jul. 2013.


Conflito no Mali já causou centenas de mortes. As autoridades da França confirmaram que centenas de militantes muçulmanos foram mortos durante a operação para expulsar grupos islamistas radicais do norte do país. Disponível em: <http://www.africa21digital.com/politica/ver/20030701-conflito-no-mali-ja-causou-centenas-de-mortes&gt; Acesso em 28 jul. 2013.


França reduzirá tropas em conflito no Mali. A França anunciou que reduzirá para 1.000 o número de militares que lutam no Mali, até o fim do ano. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/ultimas_noticias/2013/03/130328_mali_franca_lk_rn.shtml> Acesso em 29 jul.2013.


Número de mortos na Argélia chega a 80 e pode aumentar. Disponível em: http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=9&id_noticia=204070> Acesso em 30 jul. 2013.


 
 
 

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